V por Guy Fawkes
Quem é Guy Fawkes ?
trata-se de um revolucionário, conspirador, idealizador da "Gunpowder Plot", ou "Conspiração da Pólvora", um movimento católico e popular que queria implodir o Palácio de Westminter em Londres, em 1605, para matar o rei Jaime I e pedir liberdade religiosa aos católicos. perseguidos desde a reforma anglicana efetuada por Henrique VIII. Este rei, como muitos sabem, casou-se 6 vezes, e rachou a Igreja de Roma da inglesa. Ao morrer, deixou duas filhas, Mary, católica e Elisabeth, anglicana. Mary teve um filho, Jaime. Elisabeth acabou tornando-se a rainha da Inglaterra, com o título de Elisabeth I mas morreu sem deixar herdeiros. Ela perseguiu católicos já que precisava impor a religião anglicana. Ao mesmo tempo, matou sua irmã ( meia irmá na verdade, da primeiro casamento de Henrique VIII), Mary e , com uma certa ironia, foi o filho da sua irmã morta, Jaime, que assumiu o trono após sua morte.
Jaime I teve tolerância aos católicos, mas estes, liderados por alguna radicais, queriam a anulação da Igreja Anglicana e o retorno à Igreja Católica. Foi isso que fez a "conspiração da pólvora": enquanto o rei iria discursar na Câmara dos Lordes, um grupo, liderado por Guy Fawkes iria explodir o prédio, matando o rei e quase todos os nobres. Porém, ele foi descoberto literalmente em cima dos barros de pólvora que o prédio estocava (!!!) e junto com outros, foi torturado, sendo condenado à morte. Antes de ser enforcado, já com a corda no pescoço, conseguiu pular do cadafalso, matando-se antes.
E o que ele tem a ver com a máscara acima ?
"V for Vendetta", V de vingança, é um HQ escrito por Alan Moore e ilustrado por David Lloyd, publicado nos anos 80. Em uma Grã-Bretanha pós guerra nuclear, um misterioso elemento, usando uma máscara que imitava o rosto de um certo Guy Fawkes do passado britânico, usa ataques terroristas altamente teatralizados contra o governo totalitário que havia se instalado na Inglaterra. Em suma, ele luta contra o poder absoluto estabelecido. Sua referência histórica clara: o revolucionário de 1605, Guy Fawkes.
E o que esta máscara tem a ver com o mundo de hoje ?
Com a crise do capitalismo cada vez mais pior, os governos insistem em dar bilhões a bancos, enquanto o povo comum afunda em desemprego, corte de serviços públicos e falta de esperança. A máscara de Guy Fawkes na visão de David Lloyd acaba por tornar-se o símbolo dos movimentos de constentação a essa versão "financeira do fascismo", no qual bancos e governos se unem para salvar-se da bancarrota criada por eles mesmo, às custas do povo comum que quer trabalhar e viver em paz. A máscara de Guy Fawkes tornou-se o símbolo da luta contra o atual poder totalitário: entre eles, movimentos como Occupy Wall-Street
e o que esta máscara tem a ver com o mundo digital ?
hoje a internet é livre.... ou pelo menos, luta para ser. Mas governos e outras instituições tentam censurá-la ao máximo. Grupos de hackers, com forte atuação política, descentralizados, utilizam os cyber-ataques para lutar contra essas novas formas de totalitarismo: o controle da internet. Grupo de hackers, Anonymous.
Em resumo, Guy Fawkes, 1605. David Llloyd, 1982. O que os une? Sua face-máscara. Ou melhor, a face de um revolucionário, idealizada séculos depois por um ilustrador. Seu ponto em comum: a luta contra o governo e suas opressões, sejam religiosas, financeiras, de comunicação. Como se vê: os séculos passam, as lutas continuma e muitas vezes, até os rostos são iguais.
texto da revista Carta Maior
Anonymous e a guerra de informação digital
Um católico que, no dia 5 de novembro de 1605, quase conseguiu fazer voar pelos ares o Parlamento inglês com 30 quilos de pólvora, com o rei James I dentro, é o rosto oficial de uma nova revolta ocidental. Sem se encaixar num rótulo tradicional, Anonymous realiza à sua maneira o desejo não confesso de muitos cidadãos do planeta. Artigo de Eduardo Febbro.
Artigo | 26 Fevereiro, 2012 - 18:11
Paris - Guy Fawkes nunca pensou que sobreviveria a tantos séculos, e menos ainda que, mais de quatrocentos anos depois das suas andanças, a máscara que o representa se converteria em pleno século XXI no emblema daqueles que – desde os indignados até os guerreiros digitais do Anonymous, passando por toda a galáxia dos grupos antiglobalização – se opõem ferreamente à ordem de um mundo ultraliberal, depredador e indolente.
Este católico que, no dia 5 de novembro de 1605, quase conseguiu fazer voar pelos ares o Parlamento inglês com 30 quilos de pólvora, com o rei James I dentro, é o rosto oficial da revolta ocidental e, mais precisamente, o distintivo com o qual o grupo de hackersreunido sob a denominação de “Anonymous” se apresenta ao mundo. As suas ações já são parte da resistência permanente contra toda a forma de violação de liberdade segundo os critérios com os quais Anonymous a entende.
Presente há vários anos na cena do hackingcontestatário, Anonymous ganhou fama quando, em 2010, em plena ofensiva oficial contra o fundador do Wikileaks, Julian Assange, o grupo atacou as empresas multinacionais que se tinham somado ao boicote instrumentalizado pelo governo dos EUA contra todas as fontes de financiamento do Wikileaks: os portais de Amazon, PayPal, Visa, MasterCard e Postfinance, a filial dos serviços financeiros dos correios suíços, foram bloqueados pela operação Payback montada por Anonymous contra essas empresas que, sem ter nenhuma ordem judicial, trataram de impedir que o dinheiro chegasse a Wikileaks.
Era a primeira vez na história que se realizava uma ofensiva dessa magnitude não mais em nome do ciberanarquismo, mas sim em defesa de certa forma de liberdade.
Quem são e de onde vêm esses valentes que ousaram penetrar as portas mais protegidas para ferir o coração do sistema? Frédéric Bardeau e Nicolas Danet, os autores de um destacado ensaio sobre Anonymous (“Anonymous: piratas informáticos ou altermundistas digitais?’), descrevem a influência desta galáxia sem hierarquia nem manual de instruções como “um movimento que modifica a relação de formas no interior da sociedade”.
De ação em ação, Anonymous instalou-se na paisagem política mundial e excedeu em muito a herança dos seus pais culturais, a saber, toda a cultura contestatária norte-americana dos anos 70 perfeitamente representada por Stephen Wozniak, co-fundador da Apple, e Richard Stallman, o iniciador do projeto GNU.
Anonymous plasmou-se em quatro operações muito ousadas. A primeira: os ataques contra a igreja da Cientologia, em 2008. A segunda: a ciberofensiva contra o escritório de advocacia Baylout, defensores dos direitos autorais da indústria do disco e do cinema nos Estados Unidos, e contra o portal da Motion Picture Association of America (MPAA), associação que o Anonymous persegue por suas “políticas excessivas” na proteção dos direitos autorais. Terceira: a intervenção a favor de Assange no que ficou conhecido como o primeiro episódio de uma autêntica guerra da rede. Coldblood, um dos porta-vozes do Anonymous, explicou então que a operação em defesa de Assange estava a converter-se numa guerra, mas não uma guerra convencional. “É uma guerra de informação digital. Queremos que a internet continue livre e aberta a todo o mundo, como sempre foi”. O quarto episódio remonta ao dia 19 de janeiro, logo após o fecho do site Megaupload e a prisão do seu criador, o multimilionário Kim Schmitz. Lançados dos quatro pontos cardeais do planeta, os ataques orquestrados por Anonymous bloquearam os portais do Ministério da Justiça dos EUA, da Casa Branca, da Warner, da Universal, do FBI, do organismo que supervisiona a internet na França, Hadopi, e a estrutura que administra os direitos de autor, a Sacem. Anonymous conseguiu inclusive penetrar no portal da presidência francesa e modificar as mensagens de boas vindas.
A quinta e última ação ocorreu há apenas alguns dias. Um grupo que se identificou como Anonymous divulgou a gravação de uma “reunião” telefónica entre o FBI e a polícia britânica, na qual se falava de ações contra os ciberativistas. Onde estão para conseguirem se meter nestas conversas tão íntimas? “Em todas as partes”, respondem Frédéric Bardeau e Nicolas Danet, os autores do ensaio sobre Anonymous. Estes dois especialistas observam que os Anonymous não são piratas propriamente, pois não roubam nada. Tampouco são “terroristas”, mas “um fenómeno muito mais vago cujo único fio condutor é a defesa da liberdade de expressão”. Bardeau e Nadet contam que, em certo momento, “a CIA tentou realizar um perfil dos simpatizantes de Anonymous: era tão indefinido que terminava apontando para a metade do planeta”
O seu lema tornou-se realidade: “somos legião”. Neste sentido, Frédéric Bardeau destaca que os Anonymous não se enquadram em nenhum rótulo. “Não são nem anarquistas, nem sindicalistas revolucionários, nem marxistas. É um movimento pós-moderno, anónimo, planetário, descentralizado. Entre os Anonymous do Brasil, muito fortes e mobilizados contra a corrupção, e os da Áustria e Alemanha, todos antifascistas, não há unidade, mas sim denominadores comuns como a liberdade e a neutralidade da rede”. Diferentemente dos indignados ou de outros movimentos antiglobalização, Anonymous atua a partir do anonimato: não há partido político, nem fórum, nem cúpula, nem manifestação. A sua identidade física é a máscara de um militante católico britânico do século XVI e os seus territórios são estes: irc.anonops.li, twitter@AnonOps, @AnonymousIRC, Facebook Anonymous, AnonOps.blogspot.com.
A origem do nome provém dos fóruns anárquicos 4chan1. Neste portal norte-americano é fácil inscrever-se e cada participante recebe o pseudónimo de “Anonymous”. Estão em muitos lugares ao mesmo tempo, alguns são hackers aficionados, outros não, universitários, empregados, militantes de uma ou de muitas causas. Anonymous realiza à sua maneira o desejo não confesso de muitos cidadãos do planeta: colocar uma pedra na engrenagem da perfeição ultraliberal, abrir a cortina de sociedades ultrapoliciais que só protegem os interesses do poder. Nicolas Danet comenta que “Anonymous é um pouco como o voo dos pássaros migrantes. Formam uma massa que conhece o objetivo, mas um pássaro pode deixar o grupo a qualquer momento”. Os vídeos de Anonymous já são famosos, tanto pelo conteúdo como pela voz metálica que anuncia: “Somos legião. Não perdoaremos, não esqueceremos. Tenham medo de nós”.
Artigo de Eduardo Febbro, traduzido por Katarina Peixoto para Carta Maior
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