de volta ao XIX
De volta ao XIX
O Capitalismo vai bem, obrigado.
Isso quer dizer que, a despeito de todo discurso social, ambiental, "responsável", o bom e velho capitalismo continua o mesmo: espoliador, injusto e no limite, burro. Ou para usar uma velha expressão marxista, suicida.
Veja essa pesquisa: o "0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%".
Isso, num país com séculos de luta social e com um Estado de bem estar social que, apesar dos ataques que sofreu na era neoliberal de Tatcher, continua sendo um dos melhores do mundo. Há outras pesquisas que indicam que nos EUA a coisa é ainda pior: descontada a inflação, o salário real dos trabalhadores americanos caiu desde 1970 até hoje, apesar do enorme aumento de produtividade desde então. Ou melhor dizendo, por causa mesmo desse aumento, pois afinal, o que a informática trouxe foi apenas desemprego, em parte compensado por outros movimentos na economia, gerando outros empregos, mais bem pagos mas em menor número.
Não à toa, os EUA não conseguem sair da crise econômica: parte de sua enorme classe média, justamente a chave para seu sucesso nos últimos 100 anos, foi pro espaço. E muito provavelmente, não vai voltar tão cedo. Algo semelhante pode ocorrer na velha Europa tão socialmente equilibrada, ainda... a crise do euro, financeira, afetará a economia real, de indústrias, pessoas e comércio, por anos a fio, talvez por toda uma geração. "Geração a rasca", como dizem os portugueses, "premiados" com taxas de desemprego acima dos 12%. E se você acha que educação resolve o problema, essa é a geração mais educada da história europeia. E mesmo assim, mal consegue gerar empregos de garçom para mestres e doutores das melhores universidades. De repente, o capitalismo "desenvolvido" descobre que estamos de volta ao XIX: poucos, bancos e enormes corporações, ganhando muito, enquanto a maioria luta pelo básico. Não se engane: o capitalismo continua exatamente o mesmo...
E por falar nisso, as obras completas de Marx estão sendo re-traduzidas do alemão para o português, com mais cuidado e com ótima qualidade de revisão de texto. Pela editora Boitempo, já sairam vários títulos, incluindo os da série "Grundisse", ensaios livres que Marx escreveu antes do Capital. Pelo jeito que o capitalismo vai, talvez seja uma boa leitura nos dias de hoje...
Ricos pagam pouco
VLADIMIR SAFATLE
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/06/11
Há alguns dias, uma pesquisa veio mostrar o que todos aqueles que realmente se preocupam com reforma tributária no Brasil sabem: os ricos pagam pouco imposto.
Quem recebe R$ 3.300 por mês, leva para casa, descontados Imposto de Renda e Previdência, 84% do seu salário. Já alguém que ganha R$ 26.600 por mês, leva 74%.
Um profissional holandês, por exemplo, pode contar apenas com 55% de seu salário, e mesmo um norte-americano traz para casa menos que um brasileiro: 70%.
Ao mesmo tempo em que descobríamos a vida tranquila dos ricos brasileiros, chega a notícia de que a quantidade de milionários no Brasil aumentou 5,9% em 2010, atingindo a marca de 115,4 mil pessoas com fortuna de, ao menos, US$ 1 milhão.
O que não deveria nos surpreender. Afinal, vivemos em um país onde o processo de concentração de renda está tão institucionalizado que as classes mais abastadas têm um sistema de defesa de seus rendimentos sem par em outros países industrializados.
Dentro de alguns anos, a chamada nova classe média descobrirá que não conseguirá mais continuar sua ascensão social. Entre outras coisas, ela tomará consciência de como seu orçamento é brutalmente corroído por despesas com educação e saúde.
Um Estado preocupado com seu povo taxaria os ricos e as grandes fortunas a fim de ter dinheiro suficiente para criar um verdadeiro sistema público de educação e saúde.
Por que não criar, por exemplo, um imposto sobre grandes fortunas vinculado exclusivamente à educação? Isto permitiria que essa nova classe média continuasse sua ascensão social.
Tal ascensão seria ainda mais facilitada se a carga tributária brasileira parasse de privilegiar o consumo, e focasse a renda. Uma carga focada no consumo, ou seja, embutida em produtos, é mais sentida por quem ganha menos.
Há pouco, um estudo mostrou como o 0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.
Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%.
Costuma-se dizer que uma das maiores astúcias do Diabo é nos convencer de que ele não existe. Uma das maiores astúcias do discurso conservador é nos convencer, diante de dados dessa natureza, de que conflito de classe é um delírio de esquerdista centenário.
Mesmo que vejamos um processo brutal de concentração de renda institucionalizado e intocado por qualquer partido que esteja no poder, mesmo que vejamos a tendência de espoliação dos recursos de países industrializados por camadas mais ricas da população, tudo deve ser um complô dos incompetentes contra aqueles que bravamente venceram na vida graças apenas a seu entusiasmo e capacidade visionária, não é mesmo?
*As Lutas de Classes na França (tradução de Nélio Schneider) - Obra em que Marx analisa um período mais longo e extremamente movimentado da história francesa e generaliza experiências teoricamente importantes da Revolução de 1848/1849 e seus resultados. Ele aprofunda o desenvolvimento sobretudo da teoria do Estado e a teoria da revolução e chega à noção de que a realização da tarefa histórica da classe trabalhadora é impossível no quadro da república burguesa. Foi publicado pela primeira vez em 1850 como série de artigos na Neue Rheinische Zeitung/ Politisch-ökonomische Revue, de Hamburgo, com o título 1848 a 1849. Em 1895, Engels produziu uma nova edição, à qual deu o título atual As Lutas de Classe na França de 1848 a 1850, com uma extensa introdução. Nossa tradução atual é baseada no texto da edição de 1895.
Contando os Grundrisse são 12 títulos lançados na coleção: Manifesto Comunista (1998); A Sagrada Família (2003); Os Manuscritos Econômico-filosóficos (2004); Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (2005); Sobre o Suicídio (2006); A Ideologia Alemã (2007); A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (2008); Sobre a Questão Judaica (2010); Lutas de Classes na Alemanha (2010); 18 de brumário de Luís Bonaparte (2011); A Guerra Civil na França (2011) e Grundrisse (2011).
Boitempo editora
O Capitalismo vai bem, obrigado.
Isso quer dizer que, a despeito de todo discurso social, ambiental, "responsável", o bom e velho capitalismo continua o mesmo: espoliador, injusto e no limite, burro. Ou para usar uma velha expressão marxista, suicida.
Veja essa pesquisa: o "0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%".
Isso, num país com séculos de luta social e com um Estado de bem estar social que, apesar dos ataques que sofreu na era neoliberal de Tatcher, continua sendo um dos melhores do mundo. Há outras pesquisas que indicam que nos EUA a coisa é ainda pior: descontada a inflação, o salário real dos trabalhadores americanos caiu desde 1970 até hoje, apesar do enorme aumento de produtividade desde então. Ou melhor dizendo, por causa mesmo desse aumento, pois afinal, o que a informática trouxe foi apenas desemprego, em parte compensado por outros movimentos na economia, gerando outros empregos, mais bem pagos mas em menor número.
Não à toa, os EUA não conseguem sair da crise econômica: parte de sua enorme classe média, justamente a chave para seu sucesso nos últimos 100 anos, foi pro espaço. E muito provavelmente, não vai voltar tão cedo. Algo semelhante pode ocorrer na velha Europa tão socialmente equilibrada, ainda... a crise do euro, financeira, afetará a economia real, de indústrias, pessoas e comércio, por anos a fio, talvez por toda uma geração. "Geração a rasca", como dizem os portugueses, "premiados" com taxas de desemprego acima dos 12%. E se você acha que educação resolve o problema, essa é a geração mais educada da história europeia. E mesmo assim, mal consegue gerar empregos de garçom para mestres e doutores das melhores universidades. De repente, o capitalismo "desenvolvido" descobre que estamos de volta ao XIX: poucos, bancos e enormes corporações, ganhando muito, enquanto a maioria luta pelo básico. Não se engane: o capitalismo continua exatamente o mesmo...
E por falar nisso, as obras completas de Marx estão sendo re-traduzidas do alemão para o português, com mais cuidado e com ótima qualidade de revisão de texto. Pela editora Boitempo, já sairam vários títulos, incluindo os da série "Grundisse", ensaios livres que Marx escreveu antes do Capital. Pelo jeito que o capitalismo vai, talvez seja uma boa leitura nos dias de hoje...
Ricos pagam pouco
VLADIMIR SAFATLE
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/06/11
Há alguns dias, uma pesquisa veio mostrar o que todos aqueles que realmente se preocupam com reforma tributária no Brasil sabem: os ricos pagam pouco imposto.
Quem recebe R$ 3.300 por mês, leva para casa, descontados Imposto de Renda e Previdência, 84% do seu salário. Já alguém que ganha R$ 26.600 por mês, leva 74%.
Um profissional holandês, por exemplo, pode contar apenas com 55% de seu salário, e mesmo um norte-americano traz para casa menos que um brasileiro: 70%.
Ao mesmo tempo em que descobríamos a vida tranquila dos ricos brasileiros, chega a notícia de que a quantidade de milionários no Brasil aumentou 5,9% em 2010, atingindo a marca de 115,4 mil pessoas com fortuna de, ao menos, US$ 1 milhão.
O que não deveria nos surpreender. Afinal, vivemos em um país onde o processo de concentração de renda está tão institucionalizado que as classes mais abastadas têm um sistema de defesa de seus rendimentos sem par em outros países industrializados.
Dentro de alguns anos, a chamada nova classe média descobrirá que não conseguirá mais continuar sua ascensão social. Entre outras coisas, ela tomará consciência de como seu orçamento é brutalmente corroído por despesas com educação e saúde.
Um Estado preocupado com seu povo taxaria os ricos e as grandes fortunas a fim de ter dinheiro suficiente para criar um verdadeiro sistema público de educação e saúde.
Por que não criar, por exemplo, um imposto sobre grandes fortunas vinculado exclusivamente à educação? Isto permitiria que essa nova classe média continuasse sua ascensão social.
Tal ascensão seria ainda mais facilitada se a carga tributária brasileira parasse de privilegiar o consumo, e focasse a renda. Uma carga focada no consumo, ou seja, embutida em produtos, é mais sentida por quem ganha menos.
Há pouco, um estudo mostrou como o 0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.
Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%.
Costuma-se dizer que uma das maiores astúcias do Diabo é nos convencer de que ele não existe. Uma das maiores astúcias do discurso conservador é nos convencer, diante de dados dessa natureza, de que conflito de classe é um delírio de esquerdista centenário.
Mesmo que vejamos um processo brutal de concentração de renda institucionalizado e intocado por qualquer partido que esteja no poder, mesmo que vejamos a tendência de espoliação dos recursos de países industrializados por camadas mais ricas da população, tudo deve ser um complô dos incompetentes contra aqueles que bravamente venceram na vida graças apenas a seu entusiasmo e capacidade visionária, não é mesmo?
*As Lutas de Classes na França (tradução de Nélio Schneider) - Obra em que Marx analisa um período mais longo e extremamente movimentado da história francesa e generaliza experiências teoricamente importantes da Revolução de 1848/1849 e seus resultados. Ele aprofunda o desenvolvimento sobretudo da teoria do Estado e a teoria da revolução e chega à noção de que a realização da tarefa histórica da classe trabalhadora é impossível no quadro da república burguesa. Foi publicado pela primeira vez em 1850 como série de artigos na Neue Rheinische Zeitung/ Politisch-ökonomische Revue, de Hamburgo, com o título 1848 a 1849. Em 1895, Engels produziu uma nova edição, à qual deu o título atual As Lutas de Classe na França de 1848 a 1850, com uma extensa introdução. Nossa tradução atual é baseada no texto da edição de 1895.
Contando os Grundrisse são 12 títulos lançados na coleção: Manifesto Comunista (1998); A Sagrada Família (2003); Os Manuscritos Econômico-filosóficos (2004); Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (2005); Sobre o Suicídio (2006); A Ideologia Alemã (2007); A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (2008); Sobre a Questão Judaica (2010); Lutas de Classes na Alemanha (2010); 18 de brumário de Luís Bonaparte (2011); A Guerra Civil na França (2011) e Grundrisse (2011).
Boitempo editora
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