Thursday, June 24, 2010

Saramago



olhando o vazio da existência humana: ser pessimista é ser profundamente humanista










Com a morte de Saramago, a língua portuguesa perde uma referência central no mundo contemporâneo. Autor bastante prolífico mesmo em sua idade avançada e saúde abalada, seus livros lançados de forma surpreendentemente ativa eram sempre uma novidade aguardada não só entre os leitores nativos do português mas de outras línguas. É pena que agora não exista um nome a altura que possa sucedê-lo neste espaço da leitura mundial. Perde o português, que é uma língua ainda a procura de leitores...

Reconheço que não sou especialista em sua obra. Li apenas dois de seus livros e um, não gostei. "A Caverna" narra uma história simples, mas singela, de uma família de oleiros em plena decadência devido a concorrência com um novo centro comercial gigante em sua localidade. Tema atual, bem escolhido, que mostrava a preocupação social e humanística de Saramago. Mas achei que o desenrolar da história foi enfadonho, arrastado desnecessariamente e com um final abrupto, e até certo ponto previsível, que poderia ter economizado horas de leituras e árvores de papel. Seu outro livro que li, "As intermitências da Morte" é bem mais interessante: uma bela história de Amor ou de Morte se preferir, que prefiro nem comentar para não estragar alguma surpresa...

Seu estilo de escrever marcou sua personalidade no mundo literário: é famosa a sua "falta de pontuação", que nem é assim tão novidadeira nem difícil de ser lida, e seus parágrafos longos, sem indicações claras dos diálogos, confundindo a narração em primeira e terceira pessoa. Mas não é na forma que Saramago será lembrado, afinal, vivemos no século das experimentações literarárias e para quem leu Guimarães Rosa ou decidiu enfrentar um "Ulisses" de James Joyce, uma mera falta de pontuação é coisa pequena. Acredito que Saramago será lembrado pelo conteúdo, pelo tema de seus romances, fortemente articulados com suas posições pessoais.

E é sobre elas que muito se falou: "ah! ele é comunista.... ele é anticatólico..."

Quanto a ser anticatólico, sim , ele o era. Assim como qualquer pessoa com um mínimo de inteligência deve ser... convenhamos..., apesar de respeitar a fé individual e a Igreja pela cultura que ela acumulou durante esses séculos, Saramago estava certo em centrar fogo nas ideias ainda tolas da Igreja acerca de temas fundamentais, como liberdade de expressão, domínio do corpo ou mesmo seus dogmas centrais. "Evangelho segundo Jesus Cristo" pode ser lido como um livro provocador, no bom sentido, no sentido de provocar pensamento, reflexão, e como um libelo humanista: Cristo como Ser Humano, sofredor, e não como um ser divinizado e ao mesmo tempo, distante da experiência única, e dolorosa, de viver a vida humana nesta planeta. Só uma Igreja tacanha iria ter a burrice de querer censurar um livro desses.E no Portugal ultra-carola, ele foi censurado...


E por último, a "acusação" de ser comunista.Prefiro outra coisa: Saramago era Humanista. Pertencia àquela espécie de dinossauros que preferiam um livro a um Ipod..., um bom poema a um video-game..., um bom vinho e uma boa conversa com amigos a duas horas na merda do MSN... Enfim, um humanista, alguém que preferia valorizar determinados temas, atitudes, enfim, um jeito de enxergar a vida, diferente do modelo que tão porcamente é colocado como o único possível. Comunista sim, mas nunca apoiou ditaduras stalinistas, mesmo quando demorou para romper em definitivo com Fidel, sempre criticou a "ilha" pela perseguição a seus dissidentes. Ele não era em definitivo um esquerdista daqueles tolinhos que ainda insistem em ler Marx só pela axila, vomitando frases comuns e ideias dos anos 30: soube posicionar-se com veemência contra Chávez, mostrando o que ele é, apenas um bobo ditador travestido de vermelho, enquanto criticava, com acidez incrível e saborosa, o capitalismo atual e principalmente sua indústria cultural, ela mesma, autoritária, pois sempre querendo impor padrões de pensamento e conduta ao mundo inteiro.

Negar o modelo atual no qual vivemos, trabalhar muito e mal, ganhar pouco e endividar-se loucamente, tudo para comprar o último tipo de telefone que ninguém absolutamente precisa, isso era Saramago.
Não me entendam mal: eu gosto de tecnologia, só não acho que ela deveria ser a única salvação messiânica da humanidade. Saramago apenas dizia, com aquela voz baixinha e deliciosamente irritante: sejamos humanos no (ainda) bom sentido da palavra, vamos conviver, ler, pensar, olhar o mundo com nossos olhos e de repente, espantar-se com as imensas misérias de nossa existência, material, moral, estética, política... E claro, sejamos profundamente pessimistas, como ele era: afinal, pensar o Ser Humano é antes de tudo ser pessimista pela nossa incomparável burrice.

Um Saramago a escrever humildemente em seu blog, usando de forma inteligente e com conteúdo, a tecnologia que ele tanto, com razão, desprezava. Mas antes de tudo, prefiro o Saramago profundamente pessimista, a continuar uma linha de pensadores "duros", verdadeiros, ácidos, e às vezes irônicos, da nossa condição humana, Voltaire, Machado, Eça. Como eles fazem falta hoje. Como sentiremos falta de Saramago.

Wednesday, June 16, 2010

FGV e a dupla graduação - o futuro chegou.

O texto abaixo mostra mais do que apenas uma tendência, mas uma clara indicação de como será o futuro: dupla graduação na tão afamada FGV.
A pergunta meio óbvia: por que alguém graduado na melhor escola do Brasil em sua área de atuação gostaria de ter outra graduação na mesma escola ? Simples, o mundo está mais complexo... mesmo alunos formados pela FGV têm dificuldade, não de encontrar emprego, mas de lidar com os reais problemas, seja de uma empresa, seja de um grande escritório de advocacia comercial. Portanto, o bom aluno fica mais alguns anos ralando na faculdade, para evitar de ser ralado quando for tentar resolver os pepipnos que lhe cairão no colo quando começar a trabalhar. Além do mais, mesmo em cursos com "mente aberta" como os da FGV, no qual as matérias são interdisciplinares, de novo, a realidade fala mais alto e alguns problemas precisam de sofisticados ferramentais teóricos que só mesmo uma graduação específica poderia dar. É verdade que muitos acabam aprendendo na prática. Mas é também verdade que demora mais tempo aprender errando para só depois acertar, do que já ter boa base de conhecimento adquirida. Portanto, áreas diferentes unidas geram mais conhecimento acumulado para enfrentar a realidade. E na realidade não há esta ou aquela área, há problemas, complexos, e que exigem soluções, na maioria das vezes, que demandam conhecimento de multíplos campos.
As duplas graduações foram instituídas por um curto período de tempo na USP, pelo menos na área de Humanas, durante os meus tempos de curso de História. Um aluno com certo número de crédito em algum curso originário, como de História por exemplo, poderia iniciar créditos em outro curso, Letras por exemplo, e ao final de cumprir todos os créditos, obter dois diplomas. A experiência, até onde sei, acabou. Talvez com esse exemplo da FGV a USP possa repensar a ideia. Mas me parece que a velha noção de "um diploma, um emprego", vai em definitivo ficando pra trás. Advogados trabalhando em áreas de Economia, economistas atuando em escritórios de advocacia, ou mais modestamente, minha posição de historiador atuando em Literatura e Relações Internacionais, assim como conheço outros colegas que se formaram em certos cursos e trabalham em outras áreas, é apenas exemplo claro da complexidade que o mundo do trabalho já atingiu e que exige reformulação da postura do estudante hoje em dia. Estudar sempre em sua área já deixou de ser comum, agora a sobrevivência exige estudar sempre em sua e em outras áreas. Já escolheu as suas ?



FGV lança dupla graduação entre direito e economia
FABIANA REWALD
DE SÃO PAULO


Duas faculdades em uma. Essa é a proposta que a FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas) lançou neste ano para alunos de direito e economia.

Anualmente, serão abertas cinco vagas em cada curso, pela chamada dupla graduação. Em sete anos e meio --contra os nove necessários para fazer os dois cursos separadamente--, o aluno poderá sair com dois diplomas.

A parceria já existe entre direito e administração e entre administração e economia. A vantagem é que, fazendo só uma vez as disciplinas comuns, dá para terminar os dois cursos mais rapidamente. Além disso, não é preciso fazer novo vestibular.

Como há mais interessados do que vagas, é preciso passar por um processo seletivo. Os alunos de direito fazem uma prova de matemática e os de economia têm de passar em um exame com redação e análise de texto. O outro critério de avaliação é o desempenho na faculdade.

Para se candidatar, é preciso estar ao menos no 6º semestre --para que a segunda graduação se inicie no 7º semestre do curso de origem.

No final do ano passado, a FGV abriu processo seletivo para alunos de direito. Um dos selecionados foi Amir Choaib Junior, 20.

Ele faz estágio em direito tributário e acredita que a economia pode contribuir muito para o trabalho nessa área. Quando prestou vestibular, Amir já sabia do projeto da dupla graduação, e esse foi um dos motivos pelos quais ele escolheu a FGV.

Para Adriana Ancona de Faria, coordenadora de direito, os conhecimentos de economia ajudam principalmente quem quer trabalhar em áreas como políticas públicas, infraestrutura e direito concorrencial.

"Para o aluno da economia, a dupla graduação é muito vantajosa porque, para atuar em áreas como regulação, concorrência, políticas públicas e comércio internacional, o economista tem que possuir sólidos conhecimentos da área jurídica", diz Nelson Marconi, coordenador de economia.

No final deste ano, será aberto processo seletivo para alunos dos dois cursos.