Friday, February 17, 2006

Dois deuses em luta

Não existe liberdade individual. Não, sem que existam limites claros para ela. A liberdade só pode ser conjugada na primeira do plural, "nós". Se a liberdade é conjugada na primeira do singular, "eu tenho toda a liberdade" , então imediatamente não existe mais liberdade coletiva, mas a tirania absoluta de um, o que tem a liberdade, sobre os que outros, que não têm.
Portanto, numa sociedade na qual vivem pessoas, num espaço público, a liberdade é para "nós", o que imediatamente leva a uma conclusão: a liberdade deve ser compartilhada, portanto tem limites. O grupo humano cria esses limites, mutáveis, históricos, mas sempre existirão. Caso contrário, caimos de novo no argumento inicial: só o tirano tem todas as liberdades.
Liberdade individual é portanto um contrasenso, mas ela é possível se acompanhada de outra noção: a propriedade privada. Quando alguém delimita um pedaço de espaço e diz "isto é meu", na hora ele cria a sua liberdade individual, dentro do qual naquele espaço, ele pode tudo. A liberdade individual é uma invenção burguesa, liberal, acompanhada do desenvolvimento do capitalismo que criou a noção gêmea de propriedade privada. Aliás, interessante notar que no XIX, os defensores da escravidão usavam o argumento da liberdade individual: afinal, diziam eles, um escravo é uma propriedade privada, portanto eu que sou dono e comprei por ele, tenho justo direito e liberdade de tê-lo.
Num espaço público, a liberdade é sempre compartilhada. Portanto, exige limites.
Falo isso em função das charges publicadas sobre Maomé num jornal dinamarquês e depois em outro jornal francês. É evidente a questão dos limites. Como um jornal opera num espaço público ( ele aliás "publica" uma edição), sua liberdade não pode ser absoluta, senão temos uma tirania: a tirania da imprensa e de meia dúzia de jornalistas, que pode tudo. Pode até mesmo ofender gratuitamente a fé de outros, sem que nada lhe seja cobrado. Afinal, o jornalista tirano diz, ele tem "liberdade de expressão".
Se essa liberdade de expressão é absoluta, ela é tirania no espaço público. Acabou a liberdade de todos.
Na verdade, trata-se de uma disputa teológica: de um lado, o Deus Islão, cujo profeta é Maomé, que ainda mantém ritos, mitos, espaços sagrados. De outro lado o Deus Dinheiro, cujo profeta é o Lucro. Nessa última religião pode tudo, desde que termine em lucro. Claro que os jornais que publicaram as charges não eram inocentes: sabiam que criariam tumulto, sabiam que daria debate e portanto.....venderiam mais jornais. Simples assim: dá lucro, demorou pra fazer. Não interessa outros deuses medíocres que impõem limites ao sagrado, tal como Islão ou Iavé. Um único mandamente basta: " Vendamos!".
Dinheiro é um Deus Onipresente, Onisciente e Onipotente. Não há espaço, seja ele privado, sagrado ou público, que esteja fora Dele. Mas o Islão também é Onipresente, Onisciente e Onipotente, portanto ele igualmente quer ocupar todos os espaços. Como Um tem limites e o Outro não tem, temos uma disputa teológica, quase uma Cruzada. O jornal fez seu sacríficio ao Seu Deus, ganhando dinheiro e dando risada enquanto os muçulmanos gritavam aos céus pedindo justiça, vingança e liberdade de serem deixados em paz. Mas pelo jeito, Deus Dinheiro não é misericordioso.

Monday, February 06, 2006

Um grupo de orangotangos disputando uma fêmea no cio é dotado de maior racionalidade e controle emocional do que o motorista brasileiro médio. É uma catástrofe.
A esmagadora maioria, e digo isso com experiência própria pois dirijo como um suiço de férias, não tem o menor respeito pelas mais mínimas normas de vida civilizada reconhecidas desde o Código de Hamurábi. Aliás, talvez o próprio Código de Trânsito deveria ser substituído pelo de Hamurábi, pois pelo menos teríamos punições aos assassinos motorizados que enxameam nossas ruas e colam em nossas traseiras nas estradas.
Assim como em Paris e Milão a coleção primavera-verão já está no ar, em Sorocaba a última moda é passar o sinal vermelho em cruzamentos de avenidas. Simples assim. Eu fico até constrangido de falar algo, tamanha a naturalidade com que o imbecil passa o vermelho. E não estou falando daquele vermelho pós amarelo, mas daquele vermelho que lá estava há vários segundos . " O quê?, eu, sinal vermelho, o que é sinal vermelho?". Afinal, ele pagou IPTU, portanto a cidade é dele, todas as ruas foram asfaltadas única e exclusivamente para ele, todo o resto da humanidade é irrelevante.
Esse é o cerne do problema: sob o controle de um carro, a maioria dos brasileiros se acha simlesmente acima do bem e do mal, e esquece que há outros humanos no planeta, mesmo os que também são motorizados. Pedestres, então, nem pensar. Esses poderiam ser simplesmente deletados como um e-mail indesejado.
Se esse é o problema principal, a solução permanece distante: punição severa. Em qualquer país dotado de decência e dignidade, coisas que não existem em climas tropicais, um infrator deveria ser punido com rigor. Caso envolva a vida humana, aí é cadeia na certa. No Brasil, um dar de ombros. Quando muito, se um motorista bêbado a 150km passando um sinal vermelho no horário de saída de uma escola infantil assassinar 5 ou 6 inocentes, ele pagará uma meia de dúzia de cestas básicas.
Qualquer povo dotado de auto consciência dirige um carro de forma coerente e respeitosa. E se não o faz, é punido. Aqui, bem aqui...
E a "indústria de multas", e os milhares de radares à espreita ? Claro está que não estão ali por causa da segurança, mas dar uns bons trocados às prefeituras. Veja como o círculo se fecha perfeitamente : um governo corrupto que arranca o dinheiro do cidaão usando o falso argumento da segurança é plenamente justificado por um bando de primatas correndo desesperadamente em direção a lugar nenhum.
Às vezes cansa muito morar no Brasil.

Friday, February 03, 2006

Arábia é aqui

Agora parece que a coisa é séria: os EUA estão definitivamente em busca de fontes alternativas de energia, principalmente para os carros.
Enquanto por aqui a moda é os carros flex, por lá também, mas muito mais sofisticado: carros híbridos, que usam gasolina e eletricidade. O motor a gasolina alimenta um alternador que carrega um sistema de baterias que por sua vez alimenta motores auxiliares. Quando se está parado no trânsito e a aceleração é pequena, o motor a gasolina pára e só funciona o elétrico. Numa estrada, a gasolina entra em ação. Hoje, tal como aqui, se uma montadora quiser sobreviver por lá, tem que lançar carros híbridos.
Bush disse " America is adited to oil". Mas parece que eles estão começando a ir pra uma clínica de desintoxicação....
E nóis ? Bill Gates e os carinhas do Google ( separadamente, claro) estão investindo alguns milhões em refinarias de álcool em SP. Isso mesmo! Eles parecem estar prevendo que em breve os EUA poderão misturar álcool brasileiro a gasolina por lá, tal como aqui. ( para quem é de Marte, mesmo a gasolina brasileira tem por lei, 22% a 25% de álcool). Japão quer fazer o mesmo, adicionando 5%. E a China idem.
Pelo jeito, se nós formos expertos, poderemos ser a próxima Arábia.